O que é e como surgiu o trust?
O trust basicamente é uma estrutura de planejamento familiar e sucessório para que se faça uma administração dos bens desse patrimônio em prol de um beneficiário, ou seja, da pessoa que irá receber os frutos desse patrimônio.
O trust surgiu há muito tempo, mais precisamente no Reino Unido. Na época, havia o costume de, ao seu ausentar para ir para uma guerra, a pessoa pedir para algum vizinho tomar conta de suas plantações durante sua ausência, pegando assim os frutos desta para vender e fornecer uma renda para sua família, com medicações e alimentação.
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Quando essa pessoa voltava da guerra, caso voltasse, tomava de volta sua plantação e recobrava o poder sobre ela.
O trust, portanto, é uma estrutura que visa determinar a forma como você faz essa administração de patrimônio, o que é uma coisa muito interessante de se fazer.
No entanto, vale dizer que não possuímos esse tipo de estrutura regulada em nosso Código Civil Brasileiro, como falaremos adiante.
Para que serve o trust nos dias atuais?
Já sabemos que o trust é basicamente organizar e administrar o patrimônio em prol do beneficiário. Para ilustrar, podemos utilizar dois exemplos.
Vamos então imaginar que uma família tenha constituído um trust, e esse trust sirva para custear a educação de três filhos com uma renda mensal até os 25 anos, quando eles receberiam então todo esse patrimônio.
Um outro exemplo é quando uma família queira que apenas os recursos provenientes dos rendimentos desse trust sejam repassados para os beneficiários, e não o principal. Isso para que o patrimônio permaneça na família durante gerações e gerações.
Ou seja, os beneficiários receberiam apenas os frutos, como se fossem os dividendos desse patrimônio principal.
Então, o trust é uma maneira muito maleável do proprietário ou settler fazer a organização e a transferência do patrimônio da forma que ele escolher, o que facilita muito.
Como funciona o trust?
Para existir o trust precisamos de três figuras:
- Settler;
- Trustee;
- Beneficiário.
E quem são essas figuras? O settler é o dono do patrimônio, ou seja, a pessoa que irá transferir seu patrimônio para o trust a fim de que seja administrado pela trustee em prol dos beneficiários.
O settler é quem detém o patrimônio. Ele também é quem irá fazer as regras do ato de constituição do trust e isso é uma tarefa muito importante. Isso porque o trust será administrado pelo trustee, que tem poderes que podem ser os mais amplos possíveis.
Por isso o trust demora um tempo maior para ser elaborado, pois é muito importante que a família entenda claramente o que ela quer e não quer e que coloque isso no ato de constituição do trust, porque o trustee é quem vai administrar esse patrimônio segundo as regras específicas desse documento.
Você precisa tanto da anuência do trustee, em querer fazer essa administração, quanto do settler que propôs montar esse trust, para que ele exista.
O beneficiário não precisa autorizar para que esse trust exista e nem assinar nenhum documento.
Vale lembrar que o trustee pode ser uma pessoa física ou instituição financeira, não tendo a obrigatoriedade, portanto, de ser uma pessoa física.
Tipos de trust
O trust pode ser feito de duas formas. Ele pode ser revogável ou irrevogável.
Revogável
Como o próprio nome diz, o trust revogável acontece quando o settler pode se arrepender de montar o trust e assim transferir de volta todo o patrimônio que havia previamente transferido ao trustee, finando o trust.
Irrevogável
No trust irrevogável, o settler não tem o direito de se arrepender e reaver esse patrimônio em vida.
Trust revogável com morte do settler
Quando o trust é revogável e o settler morre, duas coisas podem acontecer. A primeira possibilidade é que o trust se torne irrevogável e o trustee seja obrigado a seguir o ato de constituição para administrar esse patrimônio. Isso é o que acontece normalmente.
A segunda possibilidade é a que o trust seja encerrado e o patrimônio seja transferido para os beneficiários. Essa segunda possibilidade é menos comum. Isso porque um trust clássico normalmente é utilizado para fazer a administração do patrimônio com regras sucessórias para que este permaneça na família durante gerações.
Então, se você tem um trust que será extinto com a morte do settler, ele não faz tanto sentido e por isso essa segunda possibilidade não é muito utilizada.
Extinção do trust irrevogável
Há também uma certa confusão quando falamos sobre trust irrevogável e a possibilidade deste ser extinto. Revogabilidade e extinção do trust são coisas diferentes.
Revogar significa que o settler se arrependeu e que esse patrimônio volta para ele.
Já a extinção vem com o poder do trustee, que é o responsável por fazer a administração, quando ele não tem mais interesse em fazer isso.
Então, no caso da extinção, que é quando o trustee determina que não quer mais fazer essa administração e não estiver no ato de constituição que esse trust deva ser substituído, simplesmente o valor do patrimônio do trust é disponibilizado aos beneficiários e o trust é encerrado.
Por isso existe uma estratégia onde se coloca o settler como primeiro beneficiário do trustee.
Ou seja, num evento como esse, o patrimônio vai ser transferido para esse primeiro, que é o próprio settler, mas que irá receber esse patrimônio como o primeiro beneficiário.
E a partir daí se colocam os outros beneficiários para que o planejamento sucessório seja efetuado.
Discricionário
O trust discricionário dá praticamente poderes amplos para o trustee fazer a administração da forma como bem entender. Por exemplo, ele pode decidir quanto pagar de remuneração para os beneficiários, quando pagar, quem irá receber, etc.
Ele recebe um grau de autonomia que não necessariamente o settler vá querer. Então, é muito importante ter atenção ao ato de constituição do trust.
Não discricionário
No não discricionário você basicamente limita os poderes do trustee, que é o que normalmente acontece. O settler pensa bem no que ele quer e propõe esses limites.
E isso deve estar escrito de uma forma clara e com boa interpretação para que o trustee possa executar da melhor maneira possível o que está determinado.
Nesse caso, o custo do trust também irá mudar. Isso porque quanto mais elaboradas e mais sofisticadas forem as regras que estiverem nesse ato de constituição, mais complexo é para o trustee fazer aquela gestão, baseado nas regras específicas. Então, isso também interfere no custo do trust.
O que é a letter of wishes?
É um instrumento bastante utilizado no trust, que é basicamente a carta de desejo do settler. Ele faz essa carta para o trustee, dizendo o que ele gostaria que o trustee fizesse na administração do patrimônio, na ausência dele.
Vale dizer que o trustee não tem dever nenhum de seguir essa recomendação. A letter of wishes serve para facilitar uma interpretação do ato de constituição.
Por exemplo, vamos supor que um trust sirva somente para pagar despesas de saúde de uma determinada família e um dos filhos queira pagar uma cirurgia plástica. Nessa letter of wishes o settler pode deixar claro se cirurgia plástica é considerada despesa de saúde ou não.
Então, esse é mais um instrumento para facilitar a interpretação do que realmente para indicar algo que deve ou não ser feito.
Quem é o protector?
Essa é uma figura que não é obrigatória no trust, mas diversas jurisdições já tem uma legislação específica para o protector.
Basicamente, o protector é uma figura que serve para mitigar o conflito entre trust e administração que não seja em prol dos beneficiários. Em outras palavras, o protector serve para garantir que o trustee esteja realmente fazendo a administração do patrimônio em prol dos beneficiários.
O protector existe pois geralmente o contato do trustee com o settler ocorre mais no ato de constituição do trust. E depois de um tempo, perde-se esse contato.
E para garantir que as regras do ato de constituição estejam sendo preservadas, esse protector entra. Por isso ele tem alguns poderes até mesmo de veto.
Alguns cuidados devem existir. O protector zela para que o trustee esteja fazendo o que precisa fazer. Portanto, não é recomendável que o protector seja a mesma pessoa que o trustee.
Aliás, em algumas jurisdições, como de Malta, Dubai e Bahamas, existem leis específicas que proíbem o trustee de ser o protector.
O protector também não deve ser o beneficiário, já que há um grande conflito de interesse. Nesses casos, o protector beneficiário poderia vetar, por exemplo, uma distribuição maior para algum irmão dele. Ele poderia até mesmo vetar distribuições para os irmãos e aprovar uma distribuição maior para ele mesmo.
Isso pode até mesmo desconfigurar e encerrar o trust por conta de conflitos recorrentes entre o trustee e o protector. Então, há algumas leis, mas ele é uma figura que pode ser bem utilizada na estrutura do trust.
Cuidados ao estruturar um trust no Brasil
A estrutura do trust foi desenhada para os países que usam a Commom Law, que não é o caso do Brasil, que utiliza a Civil Law ou Código Civil.
Portanto, é importante ter cuidado para que o trust converse com o Código Civil brasileiro. Então, num planejamento sucessório é importante que a estrutura de transferência de patrimônio para os beneficiários respeite a meação e a herança dos herdeiros legítimos.
Com isso, temos uma possibilidade alta de que esse trust vá ser respeitado e não seja descaracterizado como estrutura de planejamento sucessório e patrimonial.
O que é o mini trust?
Essa estrutura é um pouco diferente do trust clássico. Ela é muito mais simples e ao mesmo tempo de forma padrão, onde o objetivo não é construir muitas regras de administração de patrimônio por gerações e gerações, mas sim trata-se de uma estrutura de planejamento sucessório.
O mini trust serve então para transferir patrimônio do settler para os beneficiários que ele bem entendeu. Existem algumas premissas para montar esse mini trust:
- Settler deve ser pessoa física;
- O trust deve ser sempre revogável;
- Primeiro beneficiário precisa ser o settler;
- Na morte do settler, o único papel do trustee é transferir os bens para os beneficiários.
Não existem regras de ato de constituição para definir como será feita essa administração. O trustee simplesmente encerra o trust e transfere todos os bens para os beneficiários.
Normalmente, Bahamas é utilizada para a constituição desses mini trusts por conta da legislação ser mais flexível, no sentido de permitir que esse mini trust tenha a participação de empresas que não necessariamente são registradas em Bahamas.
Por exemplo, existe uma estrutura muito semelhante com os mini trusts chamada Vista Trust, que é feita em BVI (British Virgin Islands). Mas o grande obstáculo é que para funcionar, o vista trust só pode conter participações de empresas off-shore registradas em BVI. Por isso, o mini trust acaba sendo mais interessante.
Pelo que vimos agora, o mini trust pode sim ser uma estrutura de planejamento sucessório muito eficiente. Por ser mais simples e ter um padrão, já que o papel do trust é simplesmente transferir esses bens para os beneficiários, a estrutura torna-se mais barata em comparação com o trust clássico.
Conclusão
Então hoje entendemos melhor o que é um trust, para que ele serve, quais são os tipos de trust, quem é o setter, trustee e beneficiário, quem é o protector, como funciona uma letter of wishes e quando ela deve ou não ser usada, como os residentes brasileiros podem utilizar e quais cuidados devem ter ao usar o trust e que existe uma estrutura mais padrão, que é o mini trust, que pode ser usado para planejamento sucessório.
Ou seja, de uma forma geral, o trust é uma estrutura interessante e possível para os brasileiros utilizarem, porém com um certo cuidado, principalmente na hora de montar um bom ato de constituição, pois é que ele que irá determinar como o trustee vai fazer a administração e a gestão desse patrimônio durante as gerações.
Se você chegou aqui achando que trust é a melhor coisa do mundo, tome cuidado. Assim como qualquer outro tipo de solução, é importante que quem te atenda nesse sentido entenda seu patrimônio como um todo, para saber se é viável e se faz sentido ou não você ter um trust.
E se não, se há outras estruturas que também façam sentido na parte de planejamento sucessório e patrimonial.
Leia também: Planejamento Sucessório: o que é e como fazer
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